terça-feira, 7 de setembro de 2010

E se não existisse a mentira?


"Se dizes que mentes, ou estás dizendo a verdade e então estás mentindo, ou estás dizendo mentira e então dizes a verdade"

Cícero (106-43 a.C.) Academicontm reliquiae cum Lucullo, IV, 29, 96.

Seria confusa a existência da frase de Cícero em um "mundo" sem mentira, até mesmo pelo fato de que se não existisse a mentira, também não existiria o termo "mentira" (ou o termo "verdade" para se contrapor à mentira), mas esse mundo utópico é o cenário de "A Invenção da Mentira" (The Invention of Lying), filme de Ricky Gervais e Matthew Robinson, estrelado pelo próprio Gervais e pela bela Jennifer Garner, o enredo é bem bolado e servirá para minha breve (para não dizer brevíssima) reflexão sobre a mentira, lógico, ser também minha dica de filme.




Atenção - Esse texto pode conter spoiler (revelações sobre o enredo do filme) - sempre tive vontade de escrever isso...

O filme se passa em uma realidade em que a raça humana nunca desenvolveu a habilidade de mentir, todo mundo simplesmente só fala a verdade, a história começa afirmando que a vida das pessoas é comum, como em nosso mentiroso mundo, elas "têm carros, trabalhos, casas e famílias,mas todos dizem a verdade absoluta. Não existe tapeação, bajulação e nem ficção. As pessoas dizem exatamente o que pensam, e, às vezes, de uma forma ríspida. Mas não têm escolha nisso. É a natureza delas."

A idéia é hilária, e só isso já seria um prato cheio para uma boa comédia, entretanto, a obra não para por ai, como que em uma epifania o protagonista Mark Bellison adquire a habilidade de mentir e passa a usar isso em seu proveito próprio, e, de certa forma, tenta ajudar a comunidade em geral. O que mais me chamou a atenção foi quando Mark criou a figura do "Homem no Céu", ser que controla todas as coisas e que dá uma felicidade eterna a todos aqueles que morrem, não vou contar todo o filme para não estragar as surpresas daqueles que o resolvam assistir. (No filme, as propagandas da Coca e da Pepsi são ótimas)

Passo às minhas reflexões.

Afinal o que é a mentira?

O Dicionário Aurélio define mentir como "Afirmar coisa que sabe ser contrária à verdade". O Dicionário Priberam aponta sinônimos como "engano propositado, história falsa, aquilo que ilude". Aristóteles propôs duas espécies fundamentais de mentira, a jaetância, que consiste em exagerar a verdade, e a ironia, que consiste em diminuí-la.
Diante de todas estas aclarações, seria impossível definir "mentira" sem a "verdade", as duas estão inteiramente ligadas, são os correlativos que se completam, em que algo é aquilo que "é", e o outro algo é aquilo que "não é", tal como o mal e o bem.

Seria bom se não houvesse a mentira? Ou algumas vezes ela é necessária?

Suponhamos que você tenha um parente em estado terminal, e que este precise ser motivado para continuar lutando contra a doença, certamente suas palavras não serão "meu irmão, agora é só deitar e, como dizia o Raul, ficar com a boca escancarada, cheia de dentes,esperando a morte chegar". O exemplo ilustra bem como em algumas situações a mentira é necessária, e não nos transforma imediatamente em condenados ao Sheol. Outras formas de mentiras, aquelas impregnadas de uma esperteza individualista, construtoras de fraudes maquiavélicas, certamente devem ser reprovadas.

Se só pudéssemos afirmar aquilo que acreditamos como verdadeiro e real, afirmaríamos a existência de Deus e da vida após a morte terrena?

Essa é pergunta que eu deixo sem resposta, apesar de ter minha solução pessoal que não irei expor, pelo menos não agora, para não influenciar a sua própria reflexão.

Abçs a todos. Paz e Bem!


terça-feira, 20 de julho de 2010

O Ano Sacerdotal e a Batalha.

O texto abaixo é  católico, um bem escrito artigo de autoria de um padre católico, sobre um assunto essencialmente católico, aviso isso para que você pondere se o tema é de seu interesse. Com algumas pitadas de exagero, no geral é um excelente texto é vale a pena todo católico ler.




Quando em 2009 o Papa Bento XVI proclamou o Ano Sacerdotal, exortando a todos os fieis que orassem pela santificação dos sacerdotes, estava declarando uma verdadeira guerra ao Inferno. Afinal, foi o próprio Senhor Jesus quem recordou ao primeiro Papa que as forças do inferno não poderão vencer a Igreja (cf. Mt 16, 18).


Se esta certeza da vitória final da Igreja nos enche o coração de esperança, também nos serve de alerta. Enquanto estivermos neste mundo haverá combate. E neste combate é importante compreendermos a estratégia do inimigo.

Digo isto porque, o Inimigo não é estúpido. Muito pelo contrário, é inteligente e utiliza a sua inteligência e todas as suas forças para seu objetivo principal que é destruir a Igreja. E isto já estava previsto na profecia: “porei inimizade entre ti e a mulher” (Gn 3, 15). Mas é bom lembrar que, quando se trata de uma luta de vida e morte, todo lutador procura atingir o adversário em um de seus pontos vitais. Se existe a possibilidade de se atingir o inimigo com um tiro na cabeça ou no coração, porque desperdiçar munição atirando em seus pés? Ora, Satanás sabe perfeitamente qual é o ponto vital da Igreja: a Eucaristia. A Igreja vive da Eucaristia – Ecclesia de Eucharistia.

Se é assim, compreende-se imediatamente a importância vital do sacerdócio. Tentando destruir o sacerdócio católico e declarando guerra aberta aos nossos padres, o demônio está tentando destruir a Igreja, atingindo-lhe o coração. Sem sacerdotes não há Eucaristia, sem Eucaristia não há Igreja. Não nos deixemos enganar. A guerra midiática travada contra a Igreja ao redor dos escândalos sexuais de alguns sacerdotes não é uma batalha pela moralidade, nem uma preocupação com a castidade dos menores envolvidos. Em toda esta crise é o Santo Padre que tem manifestado enfaticamente a sua solidariedade às vítimas de abusos sexuais e tem dado orientações claras de que não devemos encobrir estes pecados vergonhosos.

É extremamente significativo que as mesmas pessoas que rasgam as vestes diante dos escândalos sexuais de padres, não façam nada para tutelar a pureza dos menores. Mas, ao contrário, apoiam a distribuição gratuita de camisinhas e lubrificantes sexuais aos nossos filhos, nas escolas públicas e em postos de saúde. Trata-se da mesma corja que patrocina programas de deseducação sexual em tvs abertas e alardeia como “direitos sexuais” as depravações da moda.

Não posso crer que estes lobos ferozes, que em sua maioria leva uma vida muito distante da castidade cristã, tenham se transformado milagrosa e repentinamente em uma legião de anjos da guarda, que zelam pela pureza de nossos filhos. Diria que mais se parecem com aqueles abutres que rodeiam um animal ferido e que fazem o possível para lhe abreviar a agonia para tirar proveito, o quanto antes, de sua carcaça. E a vítima, quem é? Um punhado de padres pedófilos? Não, mas sim o sacerdócio católico.

Não nos iludamos. Esta reação em massa não se explica apenas como um empreendimento humano. São Paulo nos lembra que não é contra a carne e contra o sangue que lutamos, mas contra espíritos malignos espalhados pelo espaço (cf. Ef 6, 12). A raiz do problema é portanto espiritual. E, se é assim, qual deve ser a nossa reação espiritual? Precisamos crer mais fortemente no sacerdócio católico; rezar e oferecer sacrifícios pela conversão e santificação dos sacerdotes, não somente neste ano sacerdotal, mas sempre.

Precisamos nos dar conta da grandeza do sacerdócio e da fragilidade de nossos sacerdotes. A grandeza do sacerdócio nos leva a considerar humildemente o quanto dependemos destes ministros do Senhor. Sem eles não temos as duas coisas mais importantes que podemos fazer em nossa vida espiritual: receber o perdão dos pecados e a eucaristia.

Esta grandeza do sacerdócio me leva a ser ousado e a professar minha fé neste grande dom de Deus. Já disse várias vezes, e algumas pessoas se escandalizaram com isto, que se na hora de minha morte eu tivesse de escolher entre ter ao meu lado a Virgem Imaculada e um sacerdote imundo e criminoso, eu preferiria ter o sacerdote. E a razão é muito simples. Nossa Senhora é maior e mais santa do que aquele padre miserável, mas não sendo sacerdote, ela não pode me dar os últimos sacramentos e o perdão de meus pecados. O sacerdote pode.

Por felicidade nossa, porém, nós católicos não precisamos fazer esta escolha. Podemos ter em nosso leito de morte, ao mesmo tempo, nossa Mãe santíssima e um sacerdote que, esperemos, esteja trilhando o caminho da santidade e da virtude.Como uma arma neste combate, Deus nos presenteou com o Papa certo, na hora certa. Ele não é apenas um grande teólogo, mas também um homem espiritual que sabe com que armas a Igreja pode lutar. A Igreja não vive de reuniões, marketing e estratégias. A Igreja vive da Eucaristia. E os sacerdotes são os instrumentos de Deus que nos fazem entrar nesta vida. Ao convocar um ano sacerdotal para a santificação dos sacerdotes, o Santo Padre o Papa se colocou na linha de frente de uma grande batalha espiritual.

Por isto, recordemo-nos também de rezar e oferecer sacrifícios por este grande homem de Deus, o Papa Bento XVI. Que o Senhor o conforte nesta grande batalha espiritual e lhe dê a certeza de que não está sozinho, mas cercado de uma multidão de irmãos (cf. Rm 8,29).


Autor: Padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Verbete do Dia: SOLIPSISMO

Passarei a postar no blog alguns verbetes que serão necessários para compreensão de futuros textos.

SOLIPSISMO (in. Solipsism- fr. Solipsisme; ai. Solipsísmus; it. Solipsísmo).

Tese de que só eu existo e de que todos os outros entes (homens e coisas) são apenas idéias minhas. Os termos mais antigos para indicar essa tese são egoísmo (cf. WOLFF, Psychologia rationalis. § 38; BAUMGARTEN. Met., § 392; GANUPPI, Saggio filosófico sulla critica delia conoscenza, IV, 3, 24, etc), egoísmo metafísico (KANT, Antr, I, § 2) ou egoísmo (SCHOPENHAUER, Die Welt, I ,§ 19).

Kant empregou o termo S. para indicar a totalidade das inclinações que produzem felicidade quando satisfeitas (Crít. R. Prática, I, livro 1, cap. III; tracl. it.. p. 85); esse mesmo termo foi empregado para indicar o egoísmo metafísico por alguns escritores alemães da segunda metade do séc. XIX (cf. SCHUBERT-SOLDERN, Grundlagen zu einer Erkenntnistheorie, 1884, pp. 83 ss.; W. SCHUPPI, Der Solipsismus, 1898; H. DRIESCH, Ordnungslehre, 1912, pp.23 ss., etc).

Como já notava Wolff, o S. éuma espécie de idealismo que reduz a idéias não só as coisas, mas também os espíritos (Psychol. rat.. § 38). Freqüentemente, o S. foi declarado irrefutável, pelo menos com provas teóricas: tal era a opinião de Schopenhauer (loc. cit.), muitas vezes repetida (cf. RENOUVIER. les dilemmes dela métaphysique purê, 1901; A. LEVI, Sceptica. 1921; SARTRE, Vêtre et le néant.1943, p. 284). Na realidade, o S. só é irrefutável do ponto de vista idealista (com o qual coincide), segundo o qual os atos ou as ações do sujeito são conhecidos de maneira imediata, privilegiada e absolutamente segura.

Foi a aceitação (explícita ou implícita) dessa tese que por vezes levou a adotar o S. como ponto de partida obrigatório da teoria do conhecimento (cf., p. ex., DRIESCH, Op. cit.,p. 23) ou como procedimento metodológico (SCHUBERT-SOLDERN, Op. cit., pp. 65 ss.). Este último ponto de vista foi adotado pelo positivismo lógico, especialmente por Wittgenstein e Carnap. O primeiro, tendo observado que "os limites de minha linguagem constituem os limites de meu mundo" (Tractatus, 5, 6), concluiu "ser absolutamente correto o significado do S., que, apesar de não poder ser dito, manifesta-se. O ato de os limites da linguagem (da linguagem que só eu entendo) constituírem os limites do meu mundo revela que o mundo é o meu mundo" (Ibid., 5.62) e que, portanto,"eu sou o meu mundo" (Ibid., 5.63). Mas, assim entendido, o S. transforma-se imediatamente em realismo: "O S. rigorosamente desenvolvido coincide com o realismo puro. O eu do positivismo reduz-se a um ponto inextenso, e a realidade a ele se coordena" (Ibid., 5.64). O pressuposto desse discurso é a teoria segundo a qual a correspondência entre os elementos da linguagem e os da realidade se dá termo a termo, e os elementos da realidade se reduzem a fatos de experiência imediata, sendo, pois, apenas meus. Quando faltam tais fatos, falta o significado (o objeto) da palavra, e eu não a entendo: portanto, Wittgenstein diz que os limites de minha linguagem são os limites do mundo. O mesmo pressuposto leva Carnap a falar de S. melódico. Com muita razão Carnap fala de S. a propósito da escolha dos elementos básicos (Grundelemente), porque, como através de tais elementos (que servem de base para a construção lógica do mundo) Carnap escolhe (assim como Wittgenstein) os fatos imediatos da experiência, ou, como diz ele, "a base psíquica própria", seu procedimento é solipsista (DerlogischeAufbau der Welt, 1928, § 64).

J. R. Weinberg já observava que no positivismo lógico o S. lingüístico é inevitável; por isso, uma vez que é necessário superá-lo para atingir a objetividade científica, "ou se alteram necessariamente alguns postulados do sistema para isentar o positivismo das idéias metafísicas, ou — se esse método falhar — será preciso abandonar todo o sistema do positivismo lógico" (An Examination of Logical Positivism, cap. VII; trad. it., pp. 235 ss.). Na realidade, o pressuposto do positivismo que dá origem ao S. é reflexo da tese idealista na teoria da linguagem: os elementos da linguagem são signos de experiências imediatas, porque as experiências imediatas são a única realidade.

Fonte: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 918-919

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Inflação Legislativa versus Ineficiência Parlamentar: um paradoxo.

Neste primeiro semestre de 2010 foram sancionadas 95 (noventa e cinco) leis federais (informações do site da Presidência da República – www.presidencia.gov.br), média de uma lei por dia (consideramos os dias úteis, descontando os pontos facultativos e dias de jogo da seleção brasileira na Copa do Mundo de Futebol, e levando em conta que a sessão legislativa inicia-se em 2 (dois) de fevereiro, conforme o art. 57 da Constituição Federal). Se sopesarmos, ainda, as legislações estaduais e municipais, bem como a imensidão de regulamentos e provimentos dos Poderes Executivo e Judiciário, os tratados internacionais e as emendas à Constituição, podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que cada brasileiro se depara com pelo menos 03 (três) novas normas ao dia. São três novos textos que nascem por dia para regular nossas vidas, nem mesmo os mais empenhados juristas conseguem acompanhar tal atualização. Essa proliferação excessiva de leis é tecnicamente conhecida como “inflação legislativa” ou "hiper-regulação".

Se num belo final de semana uma pessoa se dirige a um bar à beira de qualquer uma das suntuosas praias do nosso país e pede uma caipirinha, poderá reclamar se as especificações da bebida servida não coincidirem com aquelas previstas no Decreto Federal n. 6.871/2009, regulamento da Lei n. 8.918/1994, in verbis:

Art. 68 ...
§ 5º A bebida prevista no caput, com graduação alcoólica de quinze a trinta e seis por cento em volume, a vinte graus Celsius, elaborada com cachaça, limão e açúcar, poderá ser denominada de caipirinha (bebida típica do Brasil), facultada a adição de água para a padronização da graduação alcoólica e de aditivos.
§ 6º O limão poderá ser adicionado na forma desidratada.

O exemplo acima apenas ilustra como no Brasil fazem-se normas para tudo, e, apenas para engrandecer esta afirmativa, cito algumas leis sancionadas em 2010: a) Lei n. 12.285 (que confere ao Município de Apucarana/PR o título de Capital Nacional do Boné); b) Lei n. 12.282 (que confere ao Município de Imbituba/SC o título de Capital Nacional da Baleia Franca); c) Lei n. 12.198 (que conceitua Repentista como profissional que utiliza o improviso rimado como meio de expressão artística cantada, falada ou escrita, compondo de imediato ou recolhendo composições de origem anônima ou da tradição popular); d) Lei n. 12.206 (que institui o Dia Nacional da Baiana de Acarajé); e) Lei n. 12.208 (que institui o Dia do DeMolay).

Nada contra os municípios de Apucarana e Imbituba, ou contra os repentistas, baianas e demolays, mas cabe a nós questionarmos se realmente tais assuntos deveriam ser matéria de lei federal, note-se, das mais importantes espécie legislativa, submissa no ordenamento jurídico apenas à Constituição. Certamente estas leis foram apreciadas pelo procedimento legislativo abreviado, ou seja, não foram votadas pelo Plenário das Casas, mas sim por membros de comissões, que nem por isso deixam de ser leis, e leis tratando de assuntos secundários.

Este fato é consequência da crença de que todos os problemas e situações possíveis da sociedade devem ser regulados e resolvidos por meio de dispositivos normativos, crença esta que é uma consequência do conceito de lei como instrumento duradouro e confiável, consolidada em códigos organizados e coesos, apresentados pela burguesia capitalista do século XIX, que utilizava as leis para gerar certa segurança jurídica que protegia seus interesses liberais com certeza e previsibilidade. Depois deste acontecimento passou a se pensar que só poderíamos ter segurança de algo se este fosse resguardado por lei.

Esta “poluição normativa”, como afirma o lusitano Paulo Castro Rangel (In: Inflação legislativa: doença ou mutação genética?, disponível em: contrariosensu.blogspot.com/2005/05/inflao-legislativa.html), gera apenas mais descrédito às leis, vez que estas, por serem inúmeras, acabam, por desconhecimento ou por simples anarquia, não sendo aplicadas.

Desta breve análise, percebemos que é incorreto afirmar que os parlamentares brasileiros não legislam, eles legislam (e muito), só não o fazem de forma adequada, muitas vezes se ocupam de assuntos anódinos e não atendem às verdadeiras demandas jurídicas e sociais.

É certo que o processo legislativo de cada lei necessita de largo debate interpartidário e com os representantes sociais, e essa tramitação leva tempo, entretanto, muitas vezes, quando a lei é aprovada a realidade social é totalmente diversa daquela à época da apresentação do projeto (o grande exemplo é Código Civil, aprovado em 2002, mas que teve seu anteprojeto apresentado ao Congresso Nacional em 1975), sem contarmos que muitas leis são eleitoreiras ou interesseiras e, por serem feitas com atropelo e casuísmo, acabam por ser incompletas e até mesmo inconstitucionais (ao mesmo tempo em que o Congresso aprovou 95 (noventa e cinco) novas leis, 65 (sessenta e cinco) Ações Diretas de Inconstitucionalidade foram propostas no Supremo Tribunal Federal, www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/pesquisarPeticaoInicial.asp).

O processo judicial brasileiro (Penal e Civil) necessita de uma revisão legislativa geral, isso há muito tempo é falado e algumas alterações pontuais realmente são feitas, estas apenas servem de paliativo, no entanto, não sanam os problemas, a revisão geral ainda está sendo devida pelo legislativo. Em um antigo artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, Francisco Rezek(In: O Direito que Atormenta, p. 03, caderno 1, 15 nov. 1998), que já foi Ministro do STF e Juiz da Corte Internacional de Justiça da ONU, escreveu que:

"Há no Direito brasileiro dois vícios graves pedindo, já faz tempo, remédio urgente. Nossas regras de processo, antes de tudo, parecem não querer que o processo termine. Os recursos possíveis são muitos (creio não haver fora do Brasil trama recursiva tão grande e complicada), e pouca gente hoje crê que isso ajude mesmo a apurar melhor a verdade para melhor fazer justiça.[...] De outro lado, as regras de direito material que o legislador edita com fartura têm sido a matriz de processos em larga escala, sobretudo quando é o governo que legisla, sem o pressuposto do debate parlamentar. Numa equação simples, toda demanda é o resultado de duas pessoas haverem entendido coisas diferentes ao ler a mesma norma. A simplicidade e a clareza da lei previnem demandas. Mas pouco se tem feito entre nós para isso, para evitar, com a qualidade da lei, que à sua edição sobrevenham processos em cascata. [...] Isso não pede mais que algum trabalho, método e consciência do legislador”.

Outras leis importantes, como a que regula o direito de greve no serviço público (art. 37, VII, da CF) ou a que trata da incorporação, fusão e desmembramento de municípios (art. 18,§ 4º, da CF) nunca foram votadas, apesar de serem previstas desde 1988 na Carta Magna como uma ordem ao Poder Legislativo.

Deste modo podemos afirmar, paradoxalmente, que o Parlamento legisla muito e ao mesmo tempo legisla pouco, atua com lentidão ao enfrentar os assuntos mais pujantes, deixando assim de atender grande parte das demandas sociais.

Por fim, acrescentamos que em determinados casos em que o Poder Legislativo cumpre sua função legiferante, são os órgãos de execução que deixam a desejar no cumprimento das normas, perfazendo estas em letra morta.

sábado, 10 de julho de 2010

Questionamento Matinal

O estimado Luis Hernandes, graduando em filosofia como eu, grande amigo, estará lançando na próxima terça-feira (13) sua primeira obra, intitulada "Questionamento Matinal", todos são convidados a participar.

P.S. Depois do lançamento já prometi a ele que escreveria uma breve crítica sobre o livro aqui no blog, aguardem, talvez serão as Respostas Matinais.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A Corrida e o Combate

Algumas coisas às vezes (e escrevendo isso me dei conta que, como Gessinger, “às vezes nunca sei se ‘às vezes’ leva crase”) ficam martelando em nossas cabeças, lembranças, músicas (ruim quando essa música é o Rebolation ou Ela Sai de Saia de Bicicletinha), frases... Nos últimos dias uma frase fez isso comigo, e em diversos momentos me vi pensando nela, “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé”, autoria atribuída pelas Sagradas Escrituras ao apóstolo Paulo (II Timóteo 4,7). Digo autoria atribuída pelo fato de que podemos questionar se este texto realmente é de autoria de Paulo. Biblistas apontam diferenças consideráveis entre esta e as outras cartas paulinas, de todo modo, quem escreveu a carta, se não foi o próprio Paulo, colocou-se na pele dele.
Coincidentemente, ou talvez não (destino ou providência divina?), a liturgia da palavra do último domingo apresentou-me este texto. Como a proposta deste escrito não é, ainda, falar sobre fé, deixemos um pouco de lado o “guardei a fé” e fiquemos com a metáfora esportiva “combati um bom combate, completei a corrida”.
Há muito, mas não tão muito, tempo atrás, ainda em minha adolescência, por reiteradas vezes eu sonhei acordado com um fato curioso, minha imaginação me levava ao meu próprio funeral e eu ficava a fantasiar quem estaria presente, quem choraria, quem ficaria indiferente, quem faria as homenagens, tentando assim refletir sobre minha importância para os outros.
Todos, um dia, até mesmo aqueles que acreditam em arrebatamento sem morte (que estes não me ouçam), irão encontrar-se com esse “único mal irremediável”, afinal, a vida passa em dois piscares de olhos, não em um, pois assim seria injusto, mas em dois, porque no intervalo entre um e outro devemos olhar para trás e realmente perceber que a vida é assim (abaixo coloco uma publicidade que ilustra bem o que eu estou dizendo). Sim, voltando ao raciocínio, o quão bom seria chegar ao final e poder dizer como Paulo “combati um bom combate, completei a corrida”, o autor sagrado, ao escrever isso, afirma que completou seu objetivo e foi fiel à sua causa e, por isso, sabendo que vem chegando o fim, obteve sucesso e realização pessoal naquilo que se propôs a fazer.
O autor percorreu um caminho, daí o “completei a corrida”, e, segundo a história, não fora um caminho dos mais fáceis, mas ele completou. O autor não fala que foi vencedor, mas apenas que completou, não fala que destruiu o adversário, mas apenas que combateu bem.
Analisemos as nossas vidas, é verdade que o nosso sucesso nada mais é que o insucesso de alguém? Se eu saí vitorioso, em regra alguém saiu derrotado, se eu ganhei um bom emprego, provavelmente alguém o perdeu, se eu passei e fiquei com a vaga, de fato, alguém reprovou e a perdeu. E nossas realizações, será que não seguem o mesmo raciocínio.
Todos correm sua corrida e travam seu combate, todos teremos um final, e o que diríamos ou diremos ao mundo se pudéssemos ou pudermos escrever uma carta como a de Paulo? Obtivemos sucesso e realização pessoal? Mas sucesso e realização pessoal em que? A custa de que? Qual nosso objetivo e a quem somos fieis? Será que esquecemos do outro?
Não pretendo dar conselhos ou escrever textos de auto-ajuda, afinal sou um protótipo de filósofo, mas acredito que devemos questionar diariamente nossas vidas, se somos quem queremos ser ou aquilo que querem que nós sejamos, se nosso objetivo é bom ou mesmo se existe um objetivo, se somos fiel a algo ou alguém.
Saramago também escreveu algo antes de morrer, nada tão bom como o que escreveu Paulo antes da sua (particularmente não acho que Saramago escreveu qualquer coisa tão boa quanto Paulo, mas tem seus méritos e merece respeito), o lusitano questionou a inércia no pensar em seu último post no blog Outro Caderno (http://caderno.josesaramago.org) dizendo que: "Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de reflexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma".
Devemos, também nós, questionar e encontrar nossas próprias respostas.
Na verdade não sei o que quis dizer com tudo isso, não sei nem mesmo se quis dizer alguma coisa, digam vocês, mas parece ser hora de repensar se o sucesso individual vale a derrota coletiva. Combater é bom e necessário, mas creio que desnecessários são os perdedores.
Estou correndo, estou combatendo, para mim ainda falta muito. Abaixo o vídeo do qual eu falei.


domingo, 4 de julho de 2010

LEI DA FICHA LIMPA: APONTAMENTOS ACERCA DE SUA (IN)APLICABILIDADE

A ainda recém-nascida Lei da Ficha Limpa (lei complementar n. 135, de 04 de junho de 2010) já coleciona vitórias e alguns reveses em seu pouco tempo de existência.
O Tribunal Superior Eleitoral – TSE, na ocasião do julgamento de duas consultas (Consulta Nº 112026, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, e Consulta Nº 114709, Rel. Min. Arnaldo Versiani) já se pronunciou no sentido de que a lei valerá nas eleições de 2010, bem como, que os seus efeitos se aplicam a condenações passadas.
Por outro lado, em sede de liminar, os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, ambos do Supremo Tribunal Federal – STF, manifestaram-se de maneira favorável a dois parlamentares, suspendendo decisões que tornariam parlamentares inelegíveis (RE 281.012/PI e AI 709.634). Entretanto, outros pedidos similares não obtiveram o mesmo sucesso na Corte Excelsa, v. g. as ações cautelares n. 2.654, 2.661 e 2.665, todas de relatoria do Ministro Ayres Britto, que no bojo da AC 2.654 defendeu que “Se não é qualquer condenação judicial que torna um cidadão inelegível, mas unicamente aquela decretada por um "órgão colegiado", apenas o órgão igualmente colegiado do tribunal ad quem é que pode suspender a inelegibilidade”.
Diante de tais fatos, surgem algumas questões em relação a aplicabilidade da referida lei, importante de se frisar, de iniciativa popular (notemos que este que vos escreve assinou a propositura da lei em comento). A primeira questão importante é relacionada ao Princípio da Anterioridade da Lei Eleitoral, previsto no art. 16 da Constituição da República, segundo o qual:

Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 4, de 1993)

A partir da aplicação deste dispositivo a Lei da Ficha Limpa não poderia ser aplicada às eleições de 2010, contudo, como já visto acima, o TSE considerou, deixando de lado a Carta Republicana, que a lei seria aplicada às próximas eleições, alegando que como o período eleitoral ainda não teve início a mudança não prejudica os possíveis concorrentes.
A decisão judicial do TSE claramente desconsiderou o texto constitucional que, neste ponto, é considerado cláusula pétrea, por ser uma garantia individual do cidadão eleitor, e sua ofensa viola a segurança jurídica e o devido processo legal (ADIn 3.685/DF, Rel. Min. Ellen Gracie).
Outro ponto a ser debatido é o fato de o TSE ter decidido que a inelegibilidade prevista na Lei da Ficha Limpa, que é de 08 (oito) anos, possa ser aplicada a condenações anteriores a vigência da lei.
Para análise deste ponto, cabe recorrer ao art. 5º, XXXVI, da nossa Norma Suprema, onde se lê que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, pela decisão do TSE a lei complementar n. 135 retroagirá em seus efeitos para atingir condenação anteriores, prejudicando as coisas outrora julgadas. Por ocasião deste julgamento, o Min. Marcelo Ribeiro advertiu que seria uma incoerência, por exemplo, que um político condenado por abuso de poder e que tenha recebido uma pena de inelegibilidade por 03 (três) anos, conforme a regra anterior, passasse, agora, sem novo julgamento, a ficar inelegível por 08 (oito) anos, pela simples aplicação da nova lei (Caso por exemplo como o do Governador cassado do Estado do Maranhão Jackson Lago).
Mais uma vez o TSE feriu a segurança jurídica com o teor de sua decisão.
Ambas as decisões podem ser, e provavelmente serão, apreciadas pelo STF, mas, parece-nos aqui que o Tribunal levou bastante em conta, talvez obscuramente, que a Lei da Ficha limpa reflete uma pujante vontade popular de moralização da política nacional (lembremos que a lei é resultado de um projeto de iniciativa popular subscrito por mais de 1,6 milhão de cidadãos, inclusive, por este que vos escreve) para decidir maximizando os efeitos da lei. O povo quis esta lei, mas a pressa em aplicá-la mitiga o sistema constitucional e a segurança jurídica e, consequentemente, por mais que a maioria da população não possa perceber, enfraquece o próprio povo que fica a mercê dos decisionismos ao arrepio da Constituição.
As citadas decisões judiciais apesar de largamente aplaudidas (eu como indivíduo provavelmente desejo que a lei produza efeitos assim, mas como jurista e cidadão não posso admitir esta afronta antidemocrática ao texto constitucional), são, se podemos assim dizer, inconstitucionais. A letra da Carta Magna não está lá sem motivo, como afirma Lênio Streck em seu Verdade e Consenso (3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 164-165), vez que devemos levar o texto a sério e deixar que ele nos diga algo, completando,
“Texto é evento; textos não produzem “realidades virtuais”; textos não são meros enunciados linguísticos; textos não são palavras ao vento, conceitos metafísicos que não digam respeito a algo (algo como algo). Eis a especificidade do direito: textos são importantes; textos nos importam; não há norma sem texto; mas nem eles são “plenipotenciários”, carregando seu próprio sentido (...) e não são desimportantes, a ponto de permitir que sejam ignorados pelas posturas pragmatistas-subjetivistas, em que o sujeito assujeita o objeto (ou, simplesmente, o inventa)”.

Este que escreve a vós não é contra a Lei da Ficha Limpa, mas apenas discorda de como o TSE escolheu aplicá-la, ferindo os art. 5º, XXXVI e art. 16 da Constituição. Não confundamos democracia com a mera vontade da maioria nem aceitemos que os julgadores julguem conforme o bom agrado (seu e dos seus).

Abrindo o Livro...

Há certo tempo senti necessidade de expor minhas ideias em algum lugar, então, abro o livro da minha mente para, em fragmentos, apresentar ao leitor (se é que existirá algum leitor) ou apenas a mim mesmo aquilo que penso tenho e sou.

Saudações iniciais, em breve um post maior.