domingo, 13 de março de 2011

Deus é o criador do mal?

Algumas ordens de consideração propedêuticas são necessárias antes de adentrar-se no cerne da questão sugerida. De inicio, para responder a proposta, devemos considerar o criacionismo como uma doutrina nascida no oriente médio com base nos livros sagrados das três grandes religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo), vez que são encontradas em outras religiões e nas culturas antigas diversas explicações das origens relacionadas com Deus, tais como tudo é Deus, sendo o mundo Deus (panteísmo); ou que o mundo é uma emanação necessária de Deus; ou o mundo é produto de uma queda, e, portanto, pode ser rejeitado ou superado (gnose); ou que o mundo foi criado por Deus e depois abandonado a si mesmo (deísmo) (IGREJA CATÓLICA, 2000, p. 84).
Em segundo lugar levaremos em conta que Deus (Iahweh ou Alá) é eterno e existe antes de tudo, sendo o criador de todas as coisas visíveis e invisíveis. Consideramos, ainda, que Deus é o sumo bem e ama sua criação com um amor infinito, conforme a Lei Sagrada dos Judeus (Torá), que coincide com os cinco primeiros livros da Bíblia cristã, segundo a qual “No princípio, Deus criou o céu e a terra”, Gênesis 1, 1 (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2006, p. 33), bem como nos demais escritos sagrados, ao exemplo do profeta Isaías, 43, 4a, em que Deus fala direcionado à criação dizendo “Pois que és precioso aos meus olhos, é honrado e eu te amo” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2006, p. 1321). O monoteísmo islâmico segue a mesma linha, Maomé ressaltou “a crença num só Deus, que é criador e juiz. Esse Deus criou o mundo e tudo o que nele há”, no entanto, “Deus não é apenas um juiz onipotente; além disso, é repleto de amor e compaixão. Todas as suras do Corão começam com as palavras: ‘Em nome de Alá, o Misericordioso, o Compassivo” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 133-134).
Para responder à questão, em principio, não se pode considerar o mundo a partir de uma concepção puramente maniqueísta, em que existe uma separação total entre o bem e o mal, isso porque o que é mau para uma determinada pessoa ou sociedade pode não ser considerado assim para outras. Ilustrando, realizar inseminação artificial utilizando sêmen doado pode ser um ato de grande alegria para uma família em que o esposo é infértil, porém, em algumas culturas, tal atitude é uma afronta à ordem natural das coisas.
É sadia, no entanto, a separação entre o que é bom e o que é ruim por meio de um dualismo ético, em que se estabelecem os patamares mínimos de dignidade humana que devem ser respeitados, tais como fazem as declarações internacionais de direitos humanos, sendo esta segunda forma de separação algo indispensável para vida em sociedade (BETTENCOURT, 1993, p. 480). E é este dualismo que servirá como base para responder a questão.


 A indagação sobre de onde provem o mal foi enfrentada por santo Agostinho de Hipona e é tratada em sua obra sobre o livre arbítrio, na transcrição do diálogo travado entre Agostinho e seu amigo Evódio. Em sua resposta Agostinho objeta que existem dois sentidos para a palavra “mal”, um de dizer que alguém praticou algum mal, e outro de afirmar que alguém sofreu algum mal. Quanto ao primeiro tipo de mal, Deus, como sumo bem, de forma alguma poderia praticar tal ato. Por outro lado, se Deus é justo, deve distribuir recompensas aos bons e punições aos que agem mal, tais punições, por seu turno, parecem males aos que as recebem. Visto sob esta ótica, Deus estaria sim criando o mal. Quanto ao primeiro gênero de mal o autor seria cada pessoa que comete a má ação. Abaixo transcrevo parte do diálogo em testilha:

Evódio. Peço-te que me digas, será Deus o autor do mal?
Agostinho. Dir-te-ei, se antes me explicares a que mal te referes. Pois, habitualmente, tomamos o termo "mal" em dois sentidos: um, ao dizer que alguém praticou o mal; outro, ao dizer que sofreu algum mal.
Ev. Quero saber a respeito de um e de outro.
Ag. Pois bem, se sabes ou acreditas que Deus é bom — e não nos é permitido pensar de outro modo —, Deus não pode praticar o mal. Por outro lado, se proclamamos ser ele justo — e negá-lo seria blasfémia —, Deus deve distribuir recompensas aos bons, assim como castigos aos maus. E por certo, tais castigos parecem males àqueles que os padecem. É porque, visto ninguém ser punido injustamente — como devemos acreditar, já que, de acordo com a nossa fé, é a divina Providência que dirige o universo —, Deus de modo algum será o autor daquele primeiro gênero de males a que nos referimos, só do segundo (AGOSTINHO, 1995, p. ).

Aprofundado a temática do mal, santo Agostinho ainda propõe uma análise do mal sob três aspectos: a) metafísico-ontológico; b) moral; c) físico (REALE, 2003, p. 97). Pela análise metafísico-ontológica não existe mal no cosmos, mas apenas graus inferiores de ser em relação a Deus, a partir da ponderação da finitude da coisa criada, em seus diferentes niveis de finitude, em relação à infinitude de Deus. Giovanni Reale (2003, p. 98) ilustra bem esta análise ao afirmar que as pessoas julgam a existência de certos animais nocivos como um mal criado por Deus, mas, na verdade, estão apenas medindo com o metro de nossa utilidade as vantagens que este animal nos tem, entretanto, “Medida com o metro do todo, cada coisa, mesmo aquela aparentemente mais insignificante, tem seu sentido e sua razão de ser e, portanto, constitui algo positivo”.
O mal moral, por seu turno, é o pecado, e depende da má vontade. Por sua natureza, a vontade deveria ser direcionada para o Bem supremo, contudo, em vista da existência de diversos bens criados e finitos, a vontade pode tender a estes em detrimento de Deus. “O mal moral, portanto, é uma aversio a Deo e uma conversio ad creaturam, é a escolha de um ser inferior ao invés do ser supremo” (REALE, 2003, p. 98). O mal moral é, assim, resultado das escolhas humanas.
O ma1 físico, por fim, como as doenças e a morte, tem origem na mal moral, em especial no pecado original.
O mal do dualismo ético, que corresponde ao mal moral de santo Agostinho, é, então, resultado do amor de Deus que criou os homens como seres livres, mas não é criação de Deus. São Tomás de Aquino referenda que o homem foi criado como ser racional, desta forma, é capaz de conhecer o fim pelo qual cada coisa tende por natureza, conhecendo uma ordem das coisas da qual Deus é o bem supremo e fazendo suas escolhas. Neste sentido Reale apresenta o pensamento do filósofo:

Naturalmente, se o intelecto pudesse oferecer a visão beatifica de Deus, a vontade humana não poderia deixar de querê-la. Mas, aqui embaixo, isso não é possível. Na vida terrena, o intelecto só conhece o bem e o mal de coisas e ações que não são de Deus. Portanto, a vontade é livre para querê-las ou não querê-las (REALE, 2003, p. 227).

Em conclusão, Deus é o sumo bem e ama sua criação, e porque a ama a fez livre para escolher seus rumos na vida terrena, e justamente porque possui este livre arbítrio que o homem, quando assim deseja, se afasta do criador e pratica o mal. Concorda-se com Ratzinger quando se vê que este é um risco que Deus optou por corre, pois não seria um Deus bom se escravizasse sua criação, “Um mundo criado e desejado com o risco da liberdade e do amor, não pode ser pura matemática. Como espaço vital do amor, ele torna-se palco das liberdades e aceita o risco do mal. Esse mundo enfrenta a aventura da treva com vistas a uma luz maior, luz que é liberdade e amor” (RATZINGER, 1970, p. 119-120).
O inferno, por seu turno, não é o mal criado por Deus, é apenas um estado que o individuo escolheu por afastar-se de Deus. Deus não envia as pessoas para o inferno, estas escolhem este caminho. Não há escravidão, então, na pregação da salvação eterna, é apenas uma proposta que a criatura pode aderir ou não.

REFERÊNCIAS

AGOSTINHO, Santo. O livre-arbítrio. Tradução Nair de Assis Oliveira. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995.

BETTENCOURT, Estevão Tavares. O Bem e o Mal: Maniqueísmo? Revista Pergunte e Responderemos, Rio de Janeiro, n. 377, p. 479-480, 1993.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Bíblia sagrada. 4. imp. São Paulo: Paulus, 2006.

GAARDER, Jostein. HELLERN, Victor. NOTAKER, Henry. Livro das religiões. Tradução Isa Mara Lando. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

IGREJA CATÓLICA. Catecismo da Igreja católica. São Paulo: Loyola, 2000.

RATZINGER, Joseph. Introdução ao cristianismo. São Paulo: Herder, 1970.

REALE, Giovanni. História da filosofia: patrística e escolástica, v. 2. Tradução Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Querido Jesus, a girafa você queria assim mesmo ou foi um acidente?

Faz tempo que não escrevo, não é hj que trago um texto todo meu, mas apresento um post muito legal em homenagem a Clóvis Neto, meu filhão de 04 meses...

Dizem que na Itália é comum que as criança escrevam cartas de Natal a Gesù Bambino (Menino Jesus) e não ao Papai Noel (tal atitude realmente parece mais coerente com a data). Em 2006 a editora Sonzogno lançou o livro "Caro Gesù: la giraffa la volevi proprio così o è stato un incidente? - I Bambini Parlando a Gesú" (Querido Jesus, a girafa você queria assim mesmo ou foi um acidente? - A criança falando com Jesus), uma coletânea do que as crianças costumam escrever nas redações da escola, nas aulas de catecismo e em bilhetinhos de  final de ano.

Abaixo estão as melhores frases, selecionadas pela versão eletrônica do jornal Corriere Della Sera:

"Querido Menino Jesus, todos os meus colegas da escola escrevem para o Papai Noel,  mas eu não confio naquele lá. Prefiro você.“
(Sara)

"Querido Menino Jesus, obrigado pelo irmãozinho. Mas na verdade eu tinha rezado pra ganhar um cachorro."
(Gianluca)

"Querido Jesus, por que você não está inventando nenhum animal novo nos últimos tempos? A gente vê sempre os mesmos."
  (Laura)

"Querido Jesus, por favor, ponha um pouco mais de férias entre o Natal e a Páscoa. No meio, agora está sem nada."
 (Marco)

"Querido Jesus, o padre Mário é seu amigo ou você conhece ele só do trabalho?"
 (Antonio)

"Querido Menino Jesus, por gentileza, mande-me um cachorrinho. Eu nunca pedi nada antes, pode conferir."
 (Bruno)

"Querido Jesus, talvez Caim e Abel não se matassem se tivessem um quarto pra cada um. Com o meu irmão funciona."
 (Lorenzo)

"Querido Jesus, eu gosto muito do padre-nosso. Você escreveu tudo de uma só vez, ou você teve que ficar apagando? Qualquer coisa que eu escrevo eu tenho que refazer um monte de vezes."
(Franco)

"Querido Jesus, nós estudamos na escola que se chama Thomas Edison, dizem que ele inventou a luz. Mas no catecismo dizem que foi você. Pra mim ele roubou a sua ideia."
(Daria)

"Querido Jesus, em vez de você fazer as pessoas morrerem e aí criar novas pessoas, por que você não fica com as que já tem?"
(Marcello)

"Querido Jesus, você é invisível mesmo ou é só um truque?"
(Giovanni)

Saudações de Paz e Bem!