"Se dizes que mentes, ou estás dizendo a verdade e então estás mentindo, ou estás dizendo mentira e então dizes a verdade"
Cícero (106-43 a.C.) Academicontm reliquiae cum Lucullo, IV, 29, 96.
Seria confusa a existência da frase de Cícero em um "mundo" sem mentira, até mesmo pelo fato de que se não existisse a mentira, também não existiria o termo "mentira" (ou o termo "verdade" para se contrapor à mentira), mas esse mundo utópico é o cenário de "A Invenção da Mentira" (The Invention of Lying), filme de Ricky Gervais e Matthew Robinson, estrelado pelo próprio Gervais e pela bela Jennifer Garner, o enredo é bem bolado e servirá para minha breve (para não dizer brevíssima) reflexão sobre a mentira, lógico, ser também minha dica de filme.
Atenção - Esse texto pode conter spoiler (revelações sobre o enredo do filme) - sempre tive vontade de escrever isso...
O filme se passa em uma realidade em que a raça humana nunca desenvolveu a habilidade de mentir, todo mundo simplesmente só fala a verdade, a história começa afirmando que a vida das pessoas é comum, como em nosso mentiroso mundo, elas "têm carros, trabalhos, casas e famílias,mas todos dizem a verdade absoluta. Não existe tapeação, bajulação e nem ficção. As pessoas dizem exatamente o que pensam, e, às vezes, de uma forma ríspida. Mas não têm escolha nisso. É a natureza delas."
A idéia é hilária, e só isso já seria um prato cheio para uma boa comédia, entretanto, a obra não para por ai, como que em uma epifania o protagonista Mark Bellison adquire a habilidade de mentir e passa a usar isso em seu proveito próprio, e, de certa forma, tenta ajudar a comunidade em geral. O que mais me chamou a atenção foi quando Mark criou a figura do "Homem no Céu", ser que controla todas as coisas e que dá uma felicidade eterna a todos aqueles que morrem, não vou contar todo o filme para não estragar as surpresas daqueles que o resolvam assistir. (No filme, as propagandas da Coca e da Pepsi são ótimas)
Passo às minhas reflexões.
Afinal o que é a mentira?
O Dicionário Aurélio define mentir como "Afirmar coisa que sabe ser contrária à verdade". O Dicionário Priberam aponta sinônimos como "engano propositado, história falsa, aquilo que ilude". Aristóteles propôs duas espécies fundamentais de mentira, a jaetância, que consiste em exagerar a verdade, e a ironia, que consiste em diminuí-la.
Diante de todas estas aclarações, seria impossível definir "mentira" sem a "verdade", as duas estão inteiramente ligadas, são os correlativos que se completam, em que algo é aquilo que "é", e o outro algo é aquilo que "não é", tal como o mal e o bem.
Seria bom se não houvesse a mentira? Ou algumas vezes ela é necessária?
Suponhamos que você tenha um parente em estado terminal, e que este precise ser motivado para continuar lutando contra a doença, certamente suas palavras não serão "meu irmão, agora é só deitar e, como dizia o Raul, ficar com a boca escancarada, cheia de dentes,esperando a morte chegar". O exemplo ilustra bem como em algumas situações a mentira é necessária, e não nos transforma imediatamente em condenados ao Sheol. Outras formas de mentiras, aquelas impregnadas de uma esperteza individualista, construtoras de fraudes maquiavélicas, certamente devem ser reprovadas.
Se só pudéssemos afirmar aquilo que acreditamos como verdadeiro e real, afirmaríamos a existência de Deus e da vida após a morte terrena?
Essa é pergunta que eu deixo sem resposta, apesar de ter minha solução pessoal que não irei expor, pelo menos não agora, para não influenciar a sua própria reflexão.
Abçs a todos. Paz e Bem!